Philokália – A psicologia dos cristãos do Oriente

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“Nos antigos tempos, a Psicologia ocultava-se inteligentemente
nas formas graciosas das dançarinas sagradas,
no enigma dos estranhos hieróglifos, nas belas esculturas,
na poesia, na tragédia e até na música deliciosa dos Templos.

(Samael Aun Weor)

A Psicologia Gnóstica, ou Psicologia da Nova Era Aquariana, é radicalmente diferente de tudo quanto antes se conheceu com esse nome. Desde os antigos tempos, nos distintos cenários do teatro da vida, a verdadeira Psicologia representou sempre seu papel, disfarçada inteligentemente com a roupagem da Filosofia.

Às margens do Ganges, na Índia sagrada dos Vedas, desde a noite aterradora dos séculos, existem formas de Yôga que no fundo vêm a ser a pura Psicologia Experimental dos altos vôos. Os Sete Yôgas sempre foram descritos como procedimentos psicológicos.

No mundo árabe, os sagrados ensinamentos dos súfis, em parte metafísicos, em parte religiosos, são de ordem totalmente psicológica. Na velha Europa, até finais do século 19, a Psicologia disfarçou-se com o traje da Filosofia para poder passar despercebida. A Filosofia, apesar de todas as suas divisões e subdivisões, como a lógica, a teoria do conhecimento, a ética, a estética etc., é, fora de toda dúvida, e em si mesma, cognição mística da Consciência, do Ser, um funcionalismo cognoscitivo da consciência desperta.

Enfim, qualquer estudo profundo e sério das religiões comparadas vem demonstrar-nos que na literatura sagrada, ortodoxa, de diversos países e épocas, existem maravilhosos tesouros da ciência psicológica. Investigações de fundo no terreno do gnosticismo permitem-nos achar uma maravilhosa compilação de autores gnósticos que vêm dos primeiros tempos do cristianismo e que se conhece com o título de Philokália.

Sem nenhuma dúvida, podemos afirmar que a Philokália é essencialmente psicologia experimental. Antes que a Ciência, a Arte, a Filosofia e a Religião se separassem para viver independentes, a Psicologia reinou soberana em todas as antiquíssimas Escolas de Mistérios.

Quando os Colégios Iniciáticos fecharam suas portas ao mundo devido a esta Era de grande materialidade, chamada no Oriente de Kali-Yuga, ou Idade Negra em que ainda estamos vivendo, a Psicologia sobreviveu entre o simbolismo das diversas escolas esotéricas e muito especialmente no esoterismo gnóstico.

Quando todos compreendermos integralmente e em todos os níveis mentais o quão importante é se estudar o homem sob o ponto de vista da Psicologia Gnóstica, entenderemos então que a Psicologia é nada menos que o estudo dos princípios, leis e fatos intimamente relacionados com a transformação radical do indivíduo.

Bases da Philokália

As verdadeiras bases da Philokália residem em controlar os pensamentos por meio de uma grande paz e tranquilidade, a fim de evitar os obstáculos exteriores.

O homem deverá, então, combater, talhar no bloco dos pensamentos negativos que o rodeiam e impulsionar-se até Deus sem ceder ante a vontade de seus pensamentos, senão que, ao contrário, em meio a suas dispersões, reunir os pensamentos malvados com os naturais.

O Ser, sob o peso do Ego, avança como que um rio que passa através de um canavial, como através de uma espessura de arbustos e sarças. Aquele que quiser atravessar esses obstáculos deve estender as mãos e, penosamente, separar à força os obstáculos que o aprisionam. Assim, os pensamentos do “Poder Inimigo” envolvem a Consciência. É necessário, pois, um grande zelo e uma extensa atenção de espírito para reconhecer os pensamentos intrusos do Poder Inimigo.

O Espírito é uma coisa e a Alma outra? O corpo tem diferentes membros e, sem embargo, se diz: Um homem. Igualmente a Psique possui vários membros: o Espírito, a Consciência, a Vontade, os Pensamentos…

Tudo isso está unido em um mesmo pensamento, e os membros da psique constituem o Homem Interior. Como os olhos do corpo percebem de longe os espinhos, assim o espírito prevê os enganos do Inimigo e previne a psique.

Sobre a Oração pela Respiração
(Ou, a Invocação Incessante do nome de Jesus)

Existe, na vida das Igrejas do Oriente, e da Igreja Ortodoxa Russa em particular, uma prática espiritual de oração muito profunda: a Oração de Jesus, ou Oração do Coração.

A mesma foi introduzida na Rússia por volta do século 14 e São Sérgio, o fundador do monaquismo russo, a conhecia e a praticava, assim como seus discípulos. Entre eles, Niil da Sora é um dos mais destacados. Outro monge muito conhecido, Paisij Velitchkovsky, a difundiu e a popularizou no século 18.

Porém, através das Igrejas do Oriente, esta prática remonta-se à tradição dos padres bizantinos Gregório Palamas, Simeón o Novo Teólogo, Máximo o Confessor, e Diádoco de Fótice, assim como os Padres do Deserto dos primeiros séculos Macário e Evágrio. Alguns chegam a vincular esta Oração aos próprios Apóstolos. Leiamos o que a Philokália diz: “Esta Oração nos vem dos Santos Apóstolos. Servia-lhes para orar sem interrupções, seguindo a exortação de São Paulo aos cristãos gnósticos de orar sem cessar”.

Esta tradição espiritual teve seus principais focos nos monastérios do Sinai a partir do século 15, e no Monte Athos (Grécia), especialmente no século 14. Desde fins do século 18 expandiu-se fora dos monastérios graças a uma obra, chamada Philokália, publicada em 1782 por um monge grego, Nicodemo o Hagiorita, e editada em russo pouco depois, por Velitchkovsky. Outra obra mais recente, Relatos de um Peregrino Russo, a popularizou no fim do século 19. Esse livro está extensamente difundido por toda a Rússia.

A Oração de Jesus é uma corrente da espiritualidade oriental. Porém, alguns veem nela uma tipo especial de mística esotérica psicológica.

Esta Oração apoia-se nas exortações apostólicas: “Orai sem cessar…” (Tes. I, 1: 17); “Fazei a todo tempo, mediante o Espírito, toda classe de orações…” (Ef. 6:18); e “… é necessário orar sempre sem descanso” (Luc. 18:1). As palavras da fórmula desta Oração podem variar, porém recomenda-se aplicar uma fórmula breve e fixa. Isso toma o nome de Oração Monológica.

A Philokália continua: “Que vossa Oração ignore toda multiplicidade. Uma só palavra basta ao publicano e ao filho pródigo para obterem o perdão de Deus. Que não exista afetação nas palavras de vossa oração: Quantas vezes o balbucio simples e monótono dos bebês comove seus pais! Não vos lanceis em longos discursos para não dissipar o vosso espírito na busca de palavras. Uma só palavra do publicano comoveu a misericórdia de Deus, uma só palavra cheia de fé salvou o ladrão. A prolixidade na oração a miúdo enche o espírito de imagens e o dissipa, enquanto uma só palavra tem por efeito recolhê-lo”.

A Respiração do Nome de Jesus

A respiração serve de suporte e de símbolo espiritual à Oração. “O nome de Jesus é um perfume que se expande” (Cant, 1:4) e que adoramos respirar. O sopro de Jesus é espiritual, cura, afasta os demônios, comunica o Espírito Santo (João 20: 2). O Espírito Santo é Sopro Divino (spiritus, spirare), expiração de amor no seio do Mistério Trinitário.

A Respiração de Jesus, como a pulsação do coração, deveria estar ligada sem cessar a esse mistério de amor, como também aos suspiros da criatura (Mat, 7: 34; 8: 12) e às aspirações que todo coração humano leva em si. “O mesmo Espírito intercede dentro de nós por gemidos inefáveis.” (Rom, 8: 26)

A função respiratória, essencial para a vida do organismo, está ligada à circulação do sangue, ao ritmo do coração, às fibras mais profundas de nosso Ser. A respiração profunda do Nome de Jesus é vida para a criatura: “O que dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas… Nele temos a vida, o movimento e o Ser” (Atos, 17: 25 a 28). “Em lugar de respirar o Espírito Santo – diz Gregório Sinaíta – estamos transbordados pelo sopro dos elementos psicológicos indesejáveis.”

Adequando a oração ao ritmo respiratório, o espírito se acalma, encontra repouso (repouso = Hesychia; do grego, daí o nome Hesicaísmo, dado a esta corrente espiritual da oração). O espírito libera-se da agitação do mundo exterior, abandona a multiplicidade e a dispersão, purifica-se do movimento desordenado dos pensamentos, das imagens, das representações, das ideias. Interioriza-se e se unifica ao mesmo tempo que ora com o corpo e se encarna. Na profundidade do coração, o espírito e o corpo reencontram sua unidade original e o ser humano recobra sua “simplicidade”. Convém buscar o silêncio do espírito, evitar todos os pensamentos, inclusive aqueles que parecem lícitos, fixar-se constantemente nas profundidades do coração e dizer: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim”.

A eliminação da distração e a recordação constante dos nomes de Deus são armas poderosas para o despertar da Consciência

“Recitando atentamente essa Oração, permanecerás sentado ou de pé, ou, inclusive, acostado, retendo a respiração, na medida do possível, para não respirar demasiadamente. Invoca o Senhor Jesus com um desejo fervoroso e em uma paciente expectativa, e abandona todo pensamento…

Se vês a impureza dos maus espíritos, ou seja, os pensamentos, encerrando o espírito no coração, invoca o Senhor Jesus sem cessar e sem distrações, e eles fugirão, invisivelmente queimados pelo Nome Divino. A hesychia consiste em buscar o Senhor em teu coração, ou seja, guardar seu coração na oração e encontrar-se constantemente no interior deste último…”

A noção de mérito está ausente da teologia oriental. Não vos inquieteis pelo número de orações a recitar. Que vossa única preocupação seja que a oração brote de vosso coração, vivente como uma fonte de água viva. Arrojai inteiramente de vosso espírito a ideia de quantidade. Trata-se de um exercício, certamente sustentado, que é chamado de “atenção”, ou inclusive de “sobriedade” ou “trabalho espiritual”, ou ainda, “guarda do coração”. É uma vigilância da oração que quer ser e advir incessante e penetrantemente na próprias fontes do coração.

A Oração do Coração

A Oração de Jesus é também chamada de Oração do Coração. Esta noção do coração é essencial na espiritualidade oriental e, em particular, na russa. Pode-se distinguir – e opor – o coração à cabeça. A cabeça seria o domínio do cerebral, do mental, do intelectual, do lógico, do racional… Porém, não deve ser reduzido unicamente ao domínio do afetivo, do sentimento. É um homem de coração, se diz às vezes, ou melhor, é uma mulher de cabeça. O coração é uma dimensão espiritual, onde tanto o corpo quanto a alma entremesclam suas raízes. O coração é a fonte vital do Ser.

“O coração é o amo e o rei de todo o organismo corporal, e quando a graça se apodera dos ‘pastos do coração’, reina sobre todos os membros e todos os pensamentos da alma, e é dali que ela espera o bem.” Alguns colocam o espírito no cérebro, como se fosse uma Acrópole, outros lhe atribuem a região central do coração, aquele que está livre de todo alento animal. Já o coração é designado como o centro do ser humano, a raiz das faculdades ativas do intelecto e da vontade.

A Iluminação do Coração

Quando a Oração de Jesus se converte na Oração do Coração, seu primeiro efeito é a iluminação psicológica. Não nos esqueçamos de que ela é o grito suplicante do cego para obter a cura (Lucas, 18: 38), ao que Jesus responde abrindo os olhos do enfermo e dando-lhe Luz. Os olhos do coração abrem-se à Luz Divina. O coração ilumina-se e, logo, todo o Ser (Mateus, 6: 22). “Quando a inteligência e o coração estão unidos na oração, e os pensamentos da alma não estão dispersos, o coração se amorna com um calor espiritual e a Luz de Cristo resplandece nele, enchendo de paz e alegria o homem interior.”

A iluminação, aportada pela Oração do Coração, vem somente da Graça de Deus. “Só a Graça Divina possui em si mesma a faculdade de comunicar a deificação aos seres de uma maneira analógica. Então, a natureza resplandece com uma luz sobrenatural e se encontra transportada por cima de seus próprios limites por uma sobreabundância de glória.”

Porém, a iluminação não se produz sem trabalho. Ela, às vezes, só é dada ao término de uma prolongada espera, de uma longa pena. Isso se deve a que o coração é também o domínio do pecado, do obscuro, das trevas. Lembremo-nos agora o sentido das palavras da Oração: “Senhor Jesus, tem piedade de mim, pecador”. É necessário forçar essa obscuridade pela contrição e o verdadeiro arrependimento se possível com lágrimas.

É a graça pelo enternecimento a que imprime na mirada e no rosto dos místicos do Oriente uma doçura semelhante. Na atmosfera do coração, uma vez purificado dos sopros dos espíritos maus (os eus) é impossível (foi dito) que não brilhe a Luz Divina de Jesus. Sempre, é claro, que não se encha de orgulho, vaidade e presunção.

Essa iluminação do coração procede de uma ação do Terceiro Logos (o Espírito Santo), que é Luz. Porém, é necessário não confundi-la com as aspirações, as visões, as “luzes” espirituais ou sensíveis. De fato, os Iniciados são unânimes em recomendar que não se busquem tais coisas. Não é necessário dedicar-se a elas, nem se deixar distrair por elas, pois se deve guardar uma grande sobriedade. A verdadeira Oração de Jesus é sempre a “oração pura”.

Oração Centrante da Philokália

Seguindo a sugestão de Jesus de que o pecado ou o mal começa com nossos pensamentos, Evágrio categoriza oito tipos de pensamentos: aqueles sobre o Desejo – Gula, Concupiscência, Avareza –, e aqueles de aversão ou irritabilidade – Tristeza, Raiva, Vanglória e Orgulho.

O oitavo é Acedia, ou a Apatia, que é considerado o mais sério tipo de pensamento, pois envolve a tentação de desistir da jornada espiritual.

Evágrio reconhece que os obstáculos à nossa total consciência de Deus, de estar em Paz em Deus, começa com os pensamentos, que nos retiram de nosso centro e de nosso completo descanso em Deus.

Aprendendo a controlar os pensamentos, não dando Atenção ou colocando a Intenção neles, estes perdem seu poder sobre nós. Com o passar do tempo, começamos a atingir graus no estado de Apatheia (não a apatia que conhecemos, como um estado de não desejo, de não comprometimento com langor, mas o desapego/desprendimento, a não identificação em relação às coisas criadas), que é o estado de calma, tranquilidade ou paz, fruto da liberdade das paixões e inquietações.

Aqueles que rezam atingem a liberdade, permitindo que pensamentos nasçam e desapareçam sem que estes atinjam o patamar do desejo (de, por exemplo, realizar o pensamento).

Esta é uma compreensão que é chave para o entendimento do caminho da paz e da liberdade. Para Evágrio, isso é o portal, e apenas o portal para o exercício pleno da Fé, que é dar o nosso radical consentimento à Presença e Ação de Deus em nós. Mas esta é uma grande compreensão psicológica e espiritual em relação à libertação, tanto do pecado como dos nossos estados emocionais.

A auto-observação e a Oração no Coração de Jesus são a base do Pensamento Cristão Oriental.

Ambos se iniciam com pensamentos. Quanto mais conscientes estamos dos pensamentos, mais podemos fazer nossas escolhas entre nossos pensamentos, selecionar aqueles aos quais damos volição (aqueles nos quais nos deleitamos, desejamos ficar com), bem como arcar com as consequências dos mesmos. Discernimos se os pensamentos nos levam à paz e a Deus, ou para longe da paz e maior desarmonia com a Presença de Deus dentro de nós. Também chegamos ao estado de puro Ser, que é abaixo, acima, e além do Conhecimento.

A “prática”, então, conduz à apatheia – Apatia –, que, por sua vez, conduz a um grande desejo para o amor de Deus, que conduz à intencionalidade e ao consentimento radical da entrega, de abandonar a nós mesmos, nossas vidas, nossa vontade a Deus que habita em nós.

O segundo elemento da prática é o de buscar através de imagens e do mundo natural os significados internos da Criação. Este é o modo catafático, o caminho da reflexão, que busca de modo encarnacional e intelectual um estado de maior devoção e compromisso com o caminho espiritual, mantendo a mente fixa em Deus. Então, de certa forma, o apego aos pensamentos é substituído por pensamentos relacionados à busca de Deus.

O terceiro elemento da prática é a contemplação de Deus, ou oração pura. Este é o caminho apofático da oração sem imagens, que as duas primeiras práticas preparam. É então o abandono de todos os pensamentos que preparam a pessoa como um vaso, pronto a receber o presente da contemplação, que é a consciência direta da Presença Divina. “Feliz é o espírito que atinge a perfeita ausência de formas na hora de sua oração… Feliz é o espírito que atinge a completa não-consciência de toda experiência sensível na hora da oração.” (Evágrio Pôntico)

A prática de rezar com uma palavra ou frase das Escrituras foi levada ao monasticismo ocidental na prática da Lectio Divina, que permanece até hoje. Santo Isaías o Solitário, um monge do deserto da Palestina, confirmou que na prática da “lembrança de Deus”, que é um despertar para ou um descobrir a Presença Divina que habita no interior do homem, os pensamentos tornam-se um obstáculo a essa plena realização. Interessante observar que ele usa um termo para oração, “lembrança de Deus”, usada pelos súfis na prática do Zikr (“Recordação”, que são os cantos repetitivos, como por exemplo, La Illah illa Allah, Não há outro Deus senão Deus, ou Allah Hai, Deus é a Verdade).

Contudo, ele não formula uma metodologia para manter essa prática. João Cassiano, importantíssimo Padre do Deserto, em cujos relatos (São Bento mais tarde basearia sua Regra dos Monges nos ensinos dele), do monasticismo egípcio, na Conferência Dez, detalha o uso de uma fórmula de oração usada como recurso para focalizar a concentração na oração. Ele relata como os monges do deserto incorporaram uma palavra ou frase da Escritura como sua Palavra de Oração. Usando uma “Palavra de Salvação” na oração, ou no dar uma Palavra de Salvação nos Ensinamentos e Bênçãos, era então prática comum.

Ele recomenda a frase de um salmo: “Ó Deus, venha em meu auxílio; Ó Senhor, apressai-vos em socorrer-me”.

Ele vê essa repetição consciente, não mecânica, como uma fórmula de oração continuada a ser usada e incorporada na consciência, de maneira que se torne o “orar sem cessar” (de que nos fala São Paulo).

Ele não receita ou dá instruções sobre como lidar com os pensamentos, mas, ao contrário, focaliza na “intenção” pela qual o devoto retorna incessantemente à sua fórmula de oração, direcionando todos os pensamentos e desejos para Deus (note aí o início da Oração Centrante). O deleite derivado dessa oração permite ao devoto voltar-se de pensamentos e prazeres que distraem e direcioná-los para Deus somente.

O fim dessa transformação pessoal é habitar no Amor. “Então, será realizado em nós o que nosso Salvador rezou quando falava a Seu Pai: “Que o Amor que Tu me tens esteja neles e eles em nós”.

A Oração de Cassiano permanece como invocação primeira na liturgia das horas até hoje. Em seguida a Cassiano, houve um aprofundamento maior em relação à oração na tradição do deserto. Talvez o mais importante desenvolvimento desse período, que continua na tradição Ortodoxa Oriental até nossos dias, foi o da Oração de Jesus, como uma poderosa e onipresente forma de “lembrança de Deus”.

Pensava-se no poder da palavra “Jesus”, que, em si mesma, continha um efeito “salvífico” e purificador, além do auxílio psicológico no desapego de pensamentos perturbadores.

A tradição oriental da oração do deserto é talvez mais bem expressa por João Clímaco, um monge que viveu perto do Sinai por volta do ano 600. Ele pregava a oração de uma frase, chamada monologistos. Ele acrescentou a dimensão de harmonizar a palavra com a respiração. Em sua obra Escada da Ascensão Divina, ele dá maiores dimensões da prática contemplativa ortodoxa oriental. A prática assim é apresentada, um passo após o outro:

1. Aquietar os pensamentos (apothesis).
2. A lembrança de Jesus unida à respiração, conduzindo a apreciação da Quietude (hesychia). A fase inicial é o deixar de lado as distrações na prática do monologistos, a fase mediana é a concentração no que está sendo dito, e a conclusão que é o arrebatamento em Deus. O resultado dessa prática é a conversão de todo desejo em um único desejo, Deus. “Conheço hesicaístas cujo ímpeto inflamado por Deus é sem-limites. Eles geram fogo por fogo, amor por amor, desejo por desejo.” (João Clímaco)

O uso da Oração de Jesus, ou Oração do Coração, passa por maior desenvolvimento na tradição oriental, até o presente. E Philotheus do Sinai, em seus Escritos da Philokalia, sobre a Oração do Coração, também estende na psicologia dos pensamentos, pecado e vícios.

Ele descreve a habilidade da mente em resistir ou desapegar-se de pensamentos e, consequentemente, encontrar maior liberdade. Ele descreve o processo de enredar-se (prender-se) em pensamentos como se segue.

1. Impacto: o primeiro estágio quando o pensamento ou imagem é produzido na mente.
2. Identificação: quando a mente se engaja com algum ato da vontade ou interesse no pensamento ou imagem, apego, em vez de desapego.
3. Mesclando-se ou fundindo-se com o pensamento: o envolvimento da vontade e da ação com o pensamento ou imagem escolhida.
4. Aprisionamento: a imagem ou pensamento tornam-se ativos em uma escolha consciente na direção da ação ou dependência, ou completo envolvimento no pensamento ou imagem de um modo inarmônico com a busca de Deus. Essa compreensão é consistente com as teorias cognitiva/afetiva e cognitiva/comportamental da Psicologia contemporânea.

Em resumo, nos relatos dos Padres e Madres do Deserto monástico, estes buscaram aprofundar sua busca da experiência de Deus. Na sua busca e descobertas temos o essencial do que conhecemos ser uma bem formulada prática da Oração Centrante.

Estas incluem, em primeiro lugar, a teologia da Presença Divina em nós e a afirmativa que a promessa dos Evangelhos de Jesus serão cumpridas em nosso despertar para e em nosso consentimento à Presença e Ação de Deus dentro de nós.

Outro ensinamento essencial é que há um método simples, um modo de consentir e obter a vitória sobre os obstáculos de nossos próprios pensamentos, nossa parcela da condição humana, a paz mais profunda, alegria e completa transformação em Deus, ao rezarmos no silêncio e na quietude no centro mais profundo de nosso Ser.

Podemos facilitar o processo com um simples fundamento numa Palavra Sagrada, que é nosso Símbolo do consentimento radical à Presença e ação transformativa de Deus em nós.

Com o tempo nossa Intenção é purificada e fortalecida, de modo que perpassa toda a nossa prática de oração, toda a nossa vida, conduzindo a um maior abandono a Deus. E, ao final, os frutos dessa transformação em Deus levam a uma maior capacidade de amar a Deus, a nós mesmos, uns aos outros e o mundo onde vivemos e a servir ao mundo com paz e justiça.

Apotegmas dos Iniciados do Deserto

Evágrio: “Suprime as relações numerosas se não quiseres que teu espírito divague e turve tua soledade (hesychia)”.

Cronios: “Que a alma pratique a sobriedade, afasta-te das distrações e renuncia às suas vontades; então, o Espírito de Deus se aproximará a ela”.

Poimen: “Temos necessidade de uma só e única coisa, que é uma alma sóbria”. “O princípio de todos os males é a distração.”

Recomendações Finais

Se você quer realmente render culto à Grande Realidade (Deus), mantenha no segredo de seu coração uma pregação ininterrupta, e assim sua alma chegará a Ser, ainda antes da morte, igual aos anjos.

Nosso corpo, privado da alma, está morto e cheira mal. Assim é a alma indolente ao Ensinamento, está morta, é miserável e mal cheirosa.

A cada uma de vossas respirações, agregue a sobriedade do espírito e o Nome de Jesus, a meditação sobre a morte e a humildade.

Fale de Deus com mais frequência, mais do que você usa para comer algum alimento.

Dedique-se a pensar em Deus mais do que você respira.

É mais necessário recordar a Deus do que respirar.

Ali Onaissi (Jornalista, escritor e coordenador do Portal GnosisOnLine)

4 COMENTÁRIOS

  1. Maravilhosamente acontece o milagre em nossas vidas.
    Façam essa oração e veram os milagres acontecerem!
    para maior conhecimento existe a Coleção Oraçãos dos pobres edt paulus é fantástico.

    Grata por compartilharem!

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